Fui metralhado durante o banho. Não se preocupe, passo bem e estou cheiroso. O banheiro não ficou sujo, ainda está dominado pelo vapor d´água, é questão de tempo para voltar à normalidade. Contudo, ainda sinto os disparos em meu peito, sinal de que meu coração está bom. Válvulas tinindo! Que maravilha, está é a alegria de ter um hábito idiota. Tenho o costume de aproveitar o período de isolamento do banho para repassar minha agenda mentalmente. Muitos aproveitam para filosofar e descobrir a resolução de problemas do universo, eu me pego pensando na conta de luz. _Está realmente em débito automático? Mas tem saldo na conta? Faz tempo que não tiro extrato. Quando foi a última vez que saí de casa? Não tomo sol há tempos. Vitamina D deve estar no ralo. Estou pálido. Anemia. Ainda bem que não assistia à Saga Crepúsculo... A metralhadora dispara uma porção de “preciso...” e “tenho que...” levando à agonia de iniciar um pensamento sobre ração para gato e chegar aos confins do início da segregação racial na América Latina. Um vórtex de ansiedade funcionando como um check-up paranoico. O coração fica ofegante, pulmão palpita, olhos reverberam e a boca pisca sem direção. Ou seria o contrário? Hábitos idiotas vão além da essência pavloviana de conduta e reforço. É de uma simplicidade estúpida (não me venha com minimalismo). Não requer palestras de filósofos ou historiadores sobre obviedades travestidas em segredos do universo porque vêm enfeitadas com palavras em latim. Não me venham com frases bonitas à moda Clarice Linspector de internet. O valor do hábito idiota é ignorado pelos livros de autoajuda. Nunca encontrei um “Foda a sua vida em 5 etapas!”, “Abrace a desesperança agora!”, “10 lições para aumentar a pochete de banha!”, “Ele conseguiu isso porque é milionário, você não”. Hábitos idiotas não precisam de 21 dias para serem consolidados. Um mero repeteco e o casamento já é realizado. Juntos pela eternidade (às vezes a eternidade pode durar um pouco demais, mas isso é conversa para outro encontro). Acordar mais cedo todos os dias, ler ao menos por meia hora cada dia, sorrir para seu reflexo no espelho ao acordar...abandone tudo isso e abrace seu hábito idiota. Tenho um amigo que defende a procrastinação como arte. Um belíssimo hábito idiota que obriga o uso da imaginação a cada desculpa esfarrapada. Outro insiste acelerar o dia em redes sociais, com um mero acesso consegue consumir mais de dez horas de vida! É uma ótima forma de envelhecer oco e cheio de memes! Cada idiota com a sua mania. Eu guardo as minhas ao lado das minhas preguiças. Preguiça de esperar solução para algo que não posso resolver, preguiça de ter expectativa, preguiça de imaginar algo além do horizonte. Ou será que este é o hábito idiota de ter esperança? E lá estou com munição para o próximo banho. E você? Qual seu hábito idiota?
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